Sunday, November 24, 2013

Vida sem vento

Cabeça sem expansão.

Thursday, August 08, 2013

Aparição


Abriu os olhos. Encontrou o teto branco como de costume. Olhou para o lado. A almofada vermelha de sua cachorra estava vazia como era de costume naqueles dias de verão.
Levantou-se. Caminhou até o banheiro. Abriu a torneira. Juntou suas mãos em concha, abaixou a cabeça e lavou seu rosto.
Endireitou o corpo. Abriu bem os olhos. Respirou fundo. Deixou o ar sair lentamente e repetiu o movimento.
Apanhou a escova de dente. Pegou o tubo de pasta branco. Umedeceu escova e pasta que agora eram um só instrumento de higiene. Agitou seu punho de baixo para cima, da esquerda para a direita, tudo contado em movimentos de três tempos.
Cuspiu. Enxaguou. Cuspiu. Passou a toalha azul com listras brancas e finas.
Trocou de ambiente.
Mesmo com os poucos passos requeridos pelo pequeno apartamento, cada passagem de ambiente parecia feita sob forte intoxicação por anestésicos. Desejava que aquela viagem terminasse logo, mas o controle não era seu.
Tudo lento, pastoso e sufocante.
- Meu Deus, quando esse dia vai terminar?
O relógio marcava cinco minutos passados das oito horas.
- Preciso de pregos e de um martelo. Essas paredes precisam de quadros. A vida precisa de ar, suspirou no fim.
Um vaso improvisado guardava algumas flores. Flores murchas que lembravam uma bunda conhecida.
Tomou dois comprimidos.
- Pena que esses não me deixarão mais divertida.
Procurou por alguma coisa que lhe serviria de desjejum, mas tudo parecia muito morto.
Se dirigiu ao quarto. A luz no teto era fraca. Abriu a janela e fechou a porta. O espelho só teria utilidade dessa forma. Resolveu olhar-se para escolher a roupa de acordo com a sua aparência do dia.
- O homem é a medida de todas as coisas, pensou antes de começar a se avaliar.
Encarou o espelho. Notou um vulto estranho. Apertou os olhos para corrigir o foco. O vulto permanecia lá. Deu dois passos, aproximou-se do espelho para endireitar a visão e foi ai que tudo se perdeu...

Monday, July 29, 2013

O que é a vida?

Eu tive um sonho no qual a vida era apenas uma espécie de prova pra gente decidir se iria para o paraíso ou não. Nele eu me perguntava: e se o inferno for simplesmente um lugar sem amor?

Thursday, July 11, 2013

Noventa segundos


Diz a ciência que uma emoção dura apenas noventa segundos. Toda raiva, alegria ou tristeza que parecem não ter fim são só o reflexo dos pensamentos recorrentes que disparam o gatilho da emoção over and over.
Ela sabia disso, mas o frio, o cinza e a garoa decidiram prendê-la atrás de uma cerca viva de pensamentos melancólicos. Nem o punhado de truques de respiração parecia disposto a salvá-la naquela tarde úmida.
Inflamada pelas manifestações públicas que tomavam as ruas de sua cidade, decidiu ser dura e lançar mão de artilharia pesada: chocolate, morango e creme, cobertos com caramelo, marshmallow e farofa, cercados por duas metades da mesma banana.
A lanchonete era pequena. O chão era vermelho e as mesas com pés de metal eram cobertas por um tampo de fórmica. O toque final na decoração retrô vinha de dois garçons de cabelos ralos e brancos que pareciam ter nascido e morrido naquele local. Como o velho Amigo da Onça, usavam calças e sapatos pretos, complementados por camisa e paletó brancos. E uma gravata-borboleta preta, claro.
Sentia que estava vencendo aquilo que chamava  de sua "loucura". Entre uma colherada e outra, olhava para o lado direito e via o apresentador histriônico pedindo imagens na tela. A televisão estava muda, mas o sabia de cor.
As duas metades da banana eram só um pretexto. Nunca eram tocadas pela colher. Outras metades de outras bananas foram tratadas com o mesmo descaso no seu passado.
Satisfeita com a emoção de seus últimos noventa segundos, concluiu que podia ser a senhora de todas as suas sandices. Dispensou o apresentador e criou coragem para buscar a rua com seus olhos.
Jack Sparrow estava lá. Ali, ao alcance de seus olhos. Se esticasse a mão tocaria num janelão de vidro gelado, mas o capitão estava prá lá da barreira, sim, senhor. Ele não disse nada, mas acenou com a cabeça. E apesar de não conhecer seu sotaque de cor, sabia que aquele aceno queria dizer “Sou o capitão Jack Sparrow, sim, senhora”.
A colher arranhou algo. Olhou para a tigela. A baba de sorvete derretido misturado com caramelo e marshmallow acabara. As duas metades da mesma banana restavam intactas.
Sua loucura não parecia dominada. Entre o lamento, o medo e seus noventa segundos, lembrou-se do pirata. Talvez ele a entendesse. Talvez até aceitasse entrar naquela capsula do tempo e  matasse umas duas curiosidades: revelaria seu sotaque e como escapar dos pensamentos paranoicos que precedem o esquecimento total na morte. Se ele entrasse na lanchonete poderia pedir um novo sorvete. Dessa vez sugeriria que as metades da mesma banana fossem reaproveitadas.
Procurou por ele. O pirata sem perna de pau não estava mais lá.
Pagou a conta apressada e correu para a rua. Quase gritou por Jack Sparrow. Buscou por uma espada, uma bandeira preta ou um navio. Qualquer vestígio serviria de pista. Nada. Lamentou.
Cinco dias depois...
Estava no parque. Nada de frio, muito azul e sol forte. O vento agradável gentilmente afastava qualquer problema de sua cabeça. Água mineral para manter a hidratação.
Embalada pela calma que as notas da Orquestra Sinfônica de sua cidade soltava no ar, sentia que só precisava de contato com a natureza para viver sempre feliz e equilibrada. Deitou-se na grama e aceitou o sol com toda sua luz. Deixou que aquilo a dominasse e se esqueceu dos noventa segundos.
Em algum momento sentiu uma sombra tomar seu rosto e abriu os olhos. Jack Sparrow estava lá. Ali, ao alcance de suas mãos. Se forçasse os olhos queimaria a retina porque os raios que escapavam por detrás do pirata eram fortes. Ele não disse nada, mas acenou com a cabeça. E apesar de não conhecer seu sotaque de cor, sabia que aquele aceno queria dizer “Sou eu de novo, sim, senhora”.
A música parou. As palmas pararam.
Sua paz não parecia dominada. Entre o lamento, o medo e seus noventa segundos, lembrou-se do pirata. Talvez ele a entendesse. Talvez até aceitasse sentar-se na grama e matasse umas duas curiosidades: revelaria seu sotaque e como manter sua bússola mágica sempre funcionando.
Jack Sparrow interrompeu sua conversa mental.
– Algunas partidas se ganan cuando se pierden.
Ele falava portunhol. Se ela o tivesse seguido de perto acabaria descobrindo que o pirata afinal era paraguaio. Dos outros segredos nada soube.

Tuesday, July 09, 2013

Agenda setting

Fiz um teste simples cujo resultado é intrigante.
Fui ao Google e digitei "sonegação" e "Messi". No resultado tem de tudo um pouco: Estadão, Uol, Globo.com, Terra, ESPN e outros que desde o começo de junho reportam os passos do argentino em sua disputa com a Receita espanhola.
Voltei ao Google e digitei "sonegação" e "Globo". Mais de 8 páginas de resultado só com links de blogs independentes. Nada, 0, zerinho que tenha sido publicado por um veículo de grande porte.
Terceira rodada no Google e dessa vez usei "sonegação" e "Rede Globo". Apareceram dois links do R7 da Record e, de novo, páginas e mais páginas com links de blogs.
A possível sonegação de impostos de um argentino feita à Receita de um país europeu tem mais relevância jornalística do que a possível sonegação de impostos da maior emissora de TV do país? O processo movido contra a funcionária da Receita Federal brasileira que SUMIU com o processo de sonegação da Globo também não tem relevância jornalística?
A cada dia que passa agradeço mais a Mirla por persistir nas áridas aulas sobre a hipótese de agenda setting.

Monday, July 01, 2013

Extratos de vida

Na hora do aperto todo mundo apela para suas manias, suas fórmulas ou seus escapes. Hoje corri para a chuva, para o ar frio batendo no rosto enquanto as rodinhas deslizavam no concreto liso do parque.
A temporada de caça aos meus extratos de vida está aberta e gosto disso.

Monday, June 10, 2013

Volta das férias

Há tempos não tinha um período de férias tão fisicamente esgotante e tão emocionalmente revitalizante. 
Meus pequenos extratos de vida que às vezes brotam no cotidiano como remédio homeopático foram substituídos por overdoses diárias de alopatia do bem viver. Chuva, lua, sorrisos verdadeiros e desconhecidos. A beleza entrando pelos olhos, invadindo os ouvidos, tocando minha pele e ativando a rinite persistente. 
Eu comi vida e caguei resto de dias bem aproveitados. E ficou tudo lá impregnando as células do corpo. Tudo esquentando num fogo baixo e constante.
São tantas palavras pedindo pra encontrar novas amigas que brinquem de se amar pelo tempo de um bom parágrafo.

Saturday, May 11, 2013

Defeitos


Tenho praticado o exercício de fazer algumas coisas de uma forma completamente diferente do meu padrão normal. Vou em lugares onde normalmente não iria, peço o prato que normalmente não pediria, falo coisas que normalmente não falaria e por ai vai. 
O motivo pode ser um texto que li sobre a plasticidade do tecido nervoso e a criação de novas sinapses ou outro texto que li sobre a hipótese de viver o resto da vida sendo exatamente a mesma pessoa sem mudar nada até morrer.
Isso não importa agora. O que conta é que acordei cedo para fazer mais algumas coisas diferentes do meu padrão e diante do meu armário aberto eu sorri e me rendi a um de meus adoráveis defeitos: pra mim, mala de viagem se arruma em cima da hora mesmo. Amanhã resolvo isso porque hoje o dia é de festa. E pra não dizer que não fiz nada diferente, dessa vez eu olhei a validade do passaporte com mais de um mês de antecedência.

Wednesday, May 01, 2013

Monday, April 22, 2013

Certezas

Carrego poucas certezas comigo. Dentre o tanto que conheço só posso afirmar que as estrelas pertencem ao mar e que os buracos negros à anatomia humana.

Sunday, April 07, 2013

O início

Pelo terceiro dia seguido o bairro sofreu com apagões. Sucessivamente, o tempo no escuro aumentou do primeiro episódio até o mais recente. Como a semana foi muito corrida, ela nem se deu conta de que a falta de energia elétrica atravessou as fronteiras da região e até da cidade. Se estivesse mais atenta talvez conseguisse evitar o caos que se seguiu.

Monday, April 01, 2013

Queria ter tempo

E se eu o tivesse é provável que desejasse outra coisa.
Nesta segunda-feira pós feriado o que pulsa é minha cabeça formigando de pensamentos, repleta de mentiras que não ouvi na rua, mas que cabem nas vidas que cruzaram a minha nas últimas horas. Sons, cores, sorrisos, gestos e lábios que se abriram.
Parece que posso contar mil mentiras essa noite, mas me falta tempo. 

Thursday, March 14, 2013

O problema

O problema da humanidade são as religiões.
O problema da humanidade são os dogmas.
O problema.
A humanidade.
Os homens, os egos e a mania de achar que conhecemos a forma certa para o outro viver.

Monday, March 11, 2013

Posso (quase) tudo

Posso comer sem você
Sou capaz de dormir como um anjo e sonhar com vários sóis
Viajo, sorrio e até mesmo sinto prazer longe de sua companhia
Você só me faz falta naquela coisa que um coração repleto de amor profundo não consegue fazer longe de seu objeto

Wednesday, February 27, 2013

Nativa FM

Entrei no táxi logo cedo. 
Decidida, informei meu destino. Educadamente, perguntei se o motorista se importaria de sintonizar a Nativa FM.
Ele me atendeu. Sons fáceis ecoaram no carro durante meu trajeto. 
Ri do ridículo. Sorri de minha insistência em agir diferente do que normalmente faço.
Está funcionando. Está.

Sunday, February 24, 2013

Ar

Depois de muito riso
Depois de alguma coisa deslocada
Depois, depois, depois
Me resta o ar que entra e sai
E o tempo da respiração

Thursday, February 14, 2013

Não é o 133B

Existe um lugar em que a gente se sente bem de uma forma única. Soa como casa dos pais ou como lar que se idealiza. 
Eu que tenho alma arisca e medrosa adoro esse lugar. Lá me sinto protegida e confiante. Abaixo minhas armas e finalmente descanso simplesmente sendo. Choro, amo e sorrio. Tudo em absoluto silêncio se assim eu desejar.
Pra lá levo o que tenho de melhor. Deposito o carinho mais doce e os desejos mais leves.
Meu ninho não tem endereço, mas meu amor o encontra de olhos fechados em sonhos que não planejo.

Saturday, February 09, 2013

1989

Gosto de casas sem muros ou com muros muito baixos. Sempre gostei assim.
Gosto da vista aberta e do horizonte lá no fundo. A linha reta no fim do mar.
Ergo muros ao meu redor. Sempre agi assim.
Ergo construções altas e robustas. A proteção que traz o perigo.

Thursday, February 07, 2013

E se

E se um pato entrasse voando pela minha janela? Seria bom ou mau agouro? Ou seria só um pato desorientado, apartado do grupo, perdido e sem norte? 
E se ao entrar pela janela ele não se desesperasse, baixasse as asas, caminhasse como um pateta e se sentasse ao meu lado? Eu me assustaria? Ou sorriria pra ele e puxaria papo?




Monday, January 28, 2013

Desequilíbrio

A natureza foi generosa com o ser humano distribuindo toda sorte de ferramentas poderosas que permitissem que cada indivíduo se virasse na equilibrada guerra pela sobrevivência. Dai veio uma mulher astuta e inventou o coque.

Saturday, January 26, 2013

As pernas

Não é uma regra, mas uma questão de probabilidade, eu acho. Fica mais fácil perder algo quando deixamos um espaço para trás, quando nos deslocamos e percorremos alguma distância. Portanto, há que se cuidar das pernas.

Friday, January 25, 2013

Dia 1

Pode ser útil ler registros de pessoas que começam um caminho para encontrar algo. Aparentemente, a terapia da escrita revela ou esconde marcos importantes da tal jornada e é essa cara de mapa da caça ao tesouro que atrai os olhares interessados em buscas.
Tentarei fazer o registro da minha trilha. Começo com a honestidade do tentar porque tudo nessa empreitada é suspeito: a empreiteira que sou eu e o caminho que não deve levar ao encontro de nada e sim a perda de algo. Me moverei por ali e outras tantas vezes me imobilizarei por aqui só pra deixar algo tão casualmente esquecido num canto que não haja meios de refazer meus passos para encontrar meu bem de valor incalculável.

Tuesday, January 22, 2013

Egotrip

Culpa é o outro lado da onipotência. 

Monday, January 07, 2013

Olhos

Foi tanto verde. E um tanto de azul marinho brilhando com o sol.
Foi voar mais perto do mar do que do céu.
Mandalas cor de violeta e o vento pegando fogo.
Joaninhas num turbilhão que de repente viravam pó de estrela. Eu era pó de estrela. Eu vivi a criação do universo.