Diz a ciência que uma emoção dura apenas
noventa segundos. Toda raiva, alegria ou tristeza que parecem não ter fim são
só o reflexo dos pensamentos recorrentes que disparam o gatilho da emoção over and over.
Ela sabia disso, mas o frio, o cinza e a
garoa decidiram prendê-la atrás de uma cerca viva de pensamentos melancólicos. Nem
o punhado de truques de respiração parecia disposto a salvá-la naquela tarde
úmida.
Inflamada pelas manifestações públicas que
tomavam as ruas de sua cidade, decidiu ser dura e lançar mão de artilharia
pesada: chocolate, morango e creme, cobertos com caramelo, marshmallow e
farofa, cercados por duas metades da mesma banana.
A lanchonete era pequena. O chão era
vermelho e as mesas com pés de metal eram cobertas por um tampo de fórmica. O
toque final na decoração retrô vinha de dois garçons de cabelos ralos e brancos
que pareciam ter nascido e morrido naquele local. Como o velho Amigo da Onça,
usavam calças e sapatos pretos, complementados por camisa e paletó brancos. E
uma gravata-borboleta preta, claro.
Sentia que estava vencendo aquilo que chamava
de sua "loucura". Entre
uma colherada e outra, olhava para o lado direito e
via o apresentador histriônico pedindo imagens na tela. A televisão estava
muda, mas o sabia de cor.
As duas metades da banana eram só um
pretexto. Nunca eram tocadas pela colher. Outras metades de outras bananas
foram tratadas com o mesmo descaso no seu passado.
Satisfeita com a emoção de seus últimos
noventa segundos, concluiu que podia ser a senhora de todas as suas sandices.
Dispensou o apresentador e criou coragem para buscar a rua com seus olhos.
Jack Sparrow estava lá. Ali, ao alcance de
seus olhos. Se esticasse a mão tocaria num janelão de vidro gelado, mas o
capitão estava prá lá da barreira, sim, senhor. Ele não disse nada, mas acenou
com a cabeça. E apesar de não conhecer seu sotaque de cor, sabia que aquele
aceno queria dizer “Sou o capitão Jack Sparrow, sim, senhora”.
A colher arranhou algo. Olhou para a
tigela. A baba de sorvete derretido misturado com caramelo e marshmallow acabara.
As duas metades da mesma banana restavam intactas.
Sua loucura não parecia dominada. Entre o
lamento, o medo e seus noventa segundos, lembrou-se do pirata. Talvez ele a entendesse.
Talvez até aceitasse entrar naquela capsula do tempo e matasse umas duas curiosidades:
revelaria seu sotaque e como escapar dos pensamentos paranoicos que precedem o
esquecimento total na morte. Se ele entrasse na lanchonete poderia pedir um novo
sorvete. Dessa vez sugeriria que as metades da mesma banana fossem
reaproveitadas.
Procurou por ele. O pirata sem perna de pau
não estava mais lá.
Pagou a conta apressada e correu para a
rua. Quase gritou por Jack Sparrow. Buscou por uma espada, uma bandeira preta
ou um navio. Qualquer vestígio serviria de pista. Nada. Lamentou.
Cinco dias depois...
Estava no parque. Nada de frio, muito azul
e sol forte. O vento agradável gentilmente afastava qualquer problema de sua
cabeça. Água mineral para manter a hidratação.
Embalada pela calma que as notas da
Orquestra Sinfônica de sua cidade soltava no ar, sentia que só precisava de
contato com a natureza para viver sempre feliz e equilibrada. Deitou-se na
grama e aceitou o sol com toda sua luz. Deixou que aquilo a dominasse e se
esqueceu dos noventa segundos.
Em algum momento sentiu uma sombra tomar
seu rosto e abriu os olhos. Jack Sparrow estava lá. Ali, ao alcance de suas
mãos. Se forçasse os olhos queimaria a retina porque os raios que escapavam por
detrás do pirata eram fortes. Ele não disse nada, mas acenou com a cabeça. E
apesar de não conhecer seu sotaque de cor, sabia que aquele aceno queria dizer
“Sou eu de novo, sim, senhora”.
A música parou. As palmas pararam.
Sua paz não parecia dominada. Entre o
lamento, o medo e seus noventa segundos, lembrou-se do pirata. Talvez ele a entendesse.
Talvez até aceitasse sentar-se na grama e matasse umas duas curiosidades:
revelaria seu sotaque e como manter sua bússola mágica sempre funcionando.
Jack Sparrow interrompeu sua conversa
mental.
– Algunas partidas se ganan cuando se
pierden.
Ele falava portunhol. Se ela o tivesse
seguido de perto acabaria descobrindo que o pirata afinal era paraguaio. Dos
outros segredos nada soube.
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