Thursday, March 22, 2012

Aulas de geografia

O português Fernando Jorge foi um rígido professor de geografia que me deu aulas entre a quinta e a sexta séries. Fumante de cachimbos, ele mostrava seu vício nas excursões impecáveis em que nos guiava pelos fortes militares de Santos e Guarujá.
Aquele professor de geografia acreditava na repetição. Como trabalho semanal exigia que reproduzíssimos textos que estavam no livro para folhas de papel com caligrafia de próprio punho.   Nos fazer copiar mapas em papel vegetal e avaliar se as cores usadas eram próximas da impressão no livro quase era o seu ponto alto. Digo quase porque certamente o ponto alto de seu método eram as provas escritas e orais. 
As provas do professor Fernando eram famosas nos corredores do Colégio. Nenhum aluno ousava fazer um barulhinho sequer que pudesse incomodar o professor no seu momento de glória. Para os dois únicos desavisados dos quais tive notícias de tentarem fazê-lo, exclusão da sala e prova oral. Isso garantia o silêncio entre as turmas.
O professor que fumava cachimbo tinha um monte de manias. Talvez hoje ele seja um feliz paciente com TOC. Uma delas era usar os textos das legendas e das notas de autor ou editor como questão de prova. O livro mostrava uma foto da tundra e logo abaixo havia uma pequena legenda dizendo que a vegetação de líquens predominava na Sibéria, suposto local da foto. Pronto. Isso bastava e era possível que na prova seguinte nos deparássemos com a mesma foto do livro pedindo para que listássemos qual era o local e a vegetação típica do mesmo.
Depois de conhecer o truque do português eu me esmerava na revisão de fotos e legendas. Mesmo assim, algumas vezes sem sucesso, me peguei olhando a foto da prova e depois cerrando os olhos para ver mentalmente o que estava escrito na legenda. Eu sabia que tinha visto a foto, lido a legenda e tinha um incômodo traço na memória. Eu cerrava os olhos novamente, colocava a mão na testa, mas o que eu tinha era só uma memória de ter visto algo, mas não a pintura nítida de ter observado e capturado a essência daquilo.
Memória da memória.
Ontem eu tive que cerrar os olhos pra me lembrar de onde vinha uma sensação. O truque dessa vez é que se eu fizésse isso me lembraria imediatamente. Sei que não é um conteúdo decorado e por isso mantive os olhos abertos.

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