Tuesday, June 24, 2003

Na minha infância em Santos eu tinha uma amiga inseparável chamada Mieko. Por algum motivo que eu desconheço, todos nos julgavam irmãs, mesmo sendo ela neta de japoneses. Era minha vizinha na rua que parecia um mundo. Eu morava no oito e ela no sete. Trocávamos de quintal, de varanda, de quarto a todo instante. Um dia seus pais se separam e ela mudou-se com a mãe para Curitiba. Eu já tinha nove anos e me lembro como chorei. Parecia uma tristeza sem fim. Trocávamos pelo menos duas cartas por semana. Com o tempo ela começou a visitar o pai que casara novamente e as férias eram sempre nossas. Morada do Sol, piscina e praia. As despedidas eram cada vez menos dolorosas. Os retornos menos esperados. As cartas rareando.
Também me lembro de minha vó. A única que conhecí. Eu a achava tão bonita e elegante. Muito mais do que a minha mãe. Creio que a primeira imagem que tenho dela é de um banho que eu não queria tomar. Três ou quatro anos. Ela descera a serra porque minha mãe sofrera uma cirurgia e ela achava que precisava cuidar dos dois netos. Lembro-me de minha mãe deitada e de minha vó querendo me dar banho. Por algum motivo parecido com timidez eu me neguei a tomar o banho dado por ela. Empaquei e esperei por meu pai, o salvador de sempre. Fora esse episódio, só me lembro de cumplicidades com minha vó. Lembro-me de sua voz no telefone me perguntando quanto faltava para eu ir passar uns dias com ela. Lembro-me das chegadas em sua casa. Lembro-me das espigas de milho que ela mandava comprar especialmente para mim. Lembro-me de sua cama onde dormíamos juntas. Sua devoção e preces as seis horas da tarde. Lembro-me principalmente do seu sorriso durante meus dias de férias com ela. Ela adoeceu. Como todos. Uma noite, ao voltar da faculdade, perguntei ansiosa para meu pai sobre o estado dela, que já se encontrava em casa. Ele disse que ela estava bem e pediu que eu dormisse em paz. As quatro da manhã meu pai me acordou e disse que ela tinha se ido. Na verdade, quando perguntei sobre ela, ele já sabia o que havia acontecido, mas achava que eu precisava dormir um pouco. Durante meses eu chorava toda vez que pensava nela. Com o tempo foi cessando e foi restando um orgulho e gratidão por ter convivido com ela até meus vinte e dois anos.
Um dia eu achei que havia encontrado o amor da minha vida. Em outro dia esse amor mudou-se de estado e eu achei que iria morrer. Na verdade morrí várias vezes e por várias horas. Achei que podia mudar o rumo das coisas e me mudei também. Viví nesse atalho por algum tempo e com alguma felicidade. Só que o meu rumo não era aquele e voltei. Derrotada. Abatida. Morta novamente. Memória infeliz que me fazia lembrar de cada cena, cada palavra, cada silêncio. Tudo era ela. Meu salvador foi dia-a-dia me lembrando que um dia aquilo passaria.
Não troco cartas com a Mieko. Ela virou comissária e trabalha numa companhia aérea na Ásia. Ainda tenho as lembranças que são doces.
Minha vó está em um ótimo lugar. Em momentos de confusão peço sua ajuda e sempre me lembro daqueles sorrisos.
O amor da minha vida foi só mais um amor. Lindo. Os setecentos quilômetros continuam entre nós, juntos com alguma mágoa e muito carinho. Os momentos bons começam a ser os que mais vem a mente e o choro cessou definitivamente.
Estou tentando me convencer que, apesar da crueldade, meu pai sempre esteve certo e a vida sempre segue o seu curso. Por maior que seja o amor e a saudade, um dia eles viram algo calmo e a vida coloca outras coisas em seus lugares. E isso não diminui o que sentí por nenhum deles. Foi assim e vai ser assim sempre.

No comments: